Essa adaptação da famosa máxima do poeta Mário Quintana bem poderia ser de autoria da pedagoga Milena Bertoni Romera, 40, levando-se em conta o sentido que o termo “inclusão” possui para a educadora. Há 13 anos, Milena presta atendimento pedagógico especializado a crianças e adolescentes com deficiência visual associada ou não a outras deficiências, no Centro de Reabilitação Visual (CRV) de São José do Rio Preto, preparando os alunos para frequentar uma escola regular.
“Existem escolas que acreditam que inclusão se resume a aprender a ler e a escrever, mas esquecem de estimular a autonomia e as relações interpessoais”, afirma a pedagoga. Milena já é parceira anual da Rede de Leitura da Fundação Dorina Nowill para Cegos e apoiou a oficina A Leitura Inclusiva e o Livro Digital Acessível Daisy, realizada na sede do CRV em 25 de maio. Ela acredita que programas como o DDReader, desenvolvido pela Fundação Dorina e apresentado na oficina, representam, justamente, o respeito à adversidade. “Ainda que o Braille seja indispensável para a alfabetização de crianças com deficiência visual, existe aquele público que perdeu a visão total ou parcialmente ao longo da vida e que precisa de formas alternativas de acesso à leitura. Além disso, comercialmente falando e também pensando no contexto universitário, o livro digital ou mesmo o audiolivro é mais viável do que o Braille”, explica.
Adversidade também é uma palavra comum ao cotidiano da pedagoga Sirlei Maria Montes, 52. Ao contrário de Milena, porém, Sirlei é uma pessoa com deficiência visual total, em decorrência de um descolamento de retina, aos 14 anos de idade. Inspirada pela educadora Tânia Resende, resolveu dedicar a vida a ensinar pessoas em condição visual idêntica ou semelhante. Há 22 anos, ela atua tanto na rede estadual, prestando atendimento a crianças e jovens com deficiência visual em uma sala de recursos (atividade complementar ao ensino regular), quanto em âmbito acadêmico, lecionando pedagogia em duas faculdades.
Enquanto educadora, Sirlei trabalha com múltiplas ferramentas para ajudar o aluno e desempenhar sua função com maior praticidade. Além do Braille, a pedagoga instrui os estudantes no uso do sorobã, um tipo de ábaco muito útil a pessoas com deficiência visual para cálculos matemáticos, e recorre ao computador tanto no caso de crianças ou jovens com baixa visão como para fazer anotações. Após interagir com o DDReader durante a oficina, Sirlei destaca que o programa é mais um agregador de possibilidades, já que contempla o público cego e com baixa visão simultaneamente. “Ser uma professora com deficiência visual é um desafio constante, porque o preconceito social ainda é grande e, a todo o instante, você tem que provar sua capacidade. Todo ser humano tem potencialidades e limitações e só precisa de um investimento nas suas competências.”, declara a educadora.
Uma história real
Além de contemplar a diversidade, as tecnologias também inspiram pessoas a apresentar novas ideias, inclusive em prol da leitura acessível, e foi o que aconteceu durante a oficina. Trata-se de uma iniciativa conjunta do músico com deficiência visual Rodrigo Rocha, do químico ambiental Gustavo Prione e do primo deste, o analista de sistemas Hugo Prione.
Tudo começou com Rodrigo. Ele é membro do grupo musical de Samba Rock “A Visão do Coração”, que abriu a oficina com uma apresentação. Rodrigo tem um filho pequeno. Certo dia, Gustavo, amigo de Rodrigo, foi visitá-lo e presenciou o rapaz contando uma história para a criança, ao mesmo tempo que, de vez em quando, virava uma das páginas de um livro infantil. Descobriu, então, que o amigo inventava a história para o garoto, fingindo que a lia.
Hoje, porém, Rodrigo pode realmente ler a história do livro para o filho, graças ao projeto BRCode – assim batizado pelo trio em homenagem ao sistema Braille. Trata-se de uma plataforma para celular que opera a partir de um QRCode, que pode ser inserido em um espaço com cerca de um centímetro da página de um livro. Basta tocar a tela do aparelho no QRCode e o conteúdo da página em questão será lido pelo dispositivo para a pessoa com deficiência visual.
“A ideia é que o sistema permita o consumo de um mesmo produto tanto por pessoas videntes quanto pelo público com deficiência visual, além de não onerar tanto as editoras em termos de custos”, explica Gustavo. Atualmente, o trio está em busca de parcerias para aprimorar e, eventualmente, lançar a plataforma em caráter oficial.
Lembramos que os 12 títulos em formato acessível Daisy que compõem o kit apresentado na oficina, pelo projeto Leitura Digital Acessível, estão disponíveis no portal de livros da Fundação Dorina, o Dorinateca, voltado a pessoas com deficiência visual e a escolas, bibliotecas e associações. Se corresponde a esse perfil e ainda não se cadastrou, crie sua conta e aproveite a magia da leitura!