“Acredito que a verdadeira inclusão só acontece quando os dois lados da moeda trabalham para isso, quem deve incluir e quem deseja ser incluído.”
As palavras são da goianiense Fátima Eugênio, uma pessoa com deficiência visual que desde a infância foi apaixonada pelo teatro e, por meio dessa arte, inclui os outros e a si própria. Ela iniciou os estudos no já extinto Instituto Artesanal dos Cegos, um colégio interno como aquele no qual concluiu o Ensino Fundamental após viajar para a capital gaúcha, o Instituto Santa Luzia
Fátima só retornaria à Goiânia para iniciar o Ensino Médio, ingressando em uma escola regular, com alunos videntes. Após graduar-se em Rádio e TV, prestou concurso público e, atualmente, divide seu tempo entre o trabalho na Secretaria Estadual de Saúde e as aulas de teatro, canto e violão pela Associação dos Deficientes Visuais do Estado de Goiás (ADVEG).
No que diz respeito ao teatro, Fátima frequenta dois grupos. Um possui apenas integrantes com deficiência visual e, no outro, chamado Vai Idade – não por acaso, já que é exclusivo para pessoas a partir dos quarenta anos -, ela é a única nessa condição. “Interpreto, inclusive, personagens sem deficiência visual, o que rompe barreiras e torna tudo mais natural quando se fala em teatro.”, explica.
A atriz esteve presente ao encontro da Rede de Leitura dedicado ao tema Acessibilidade Cultural, no Teatro Basileu França do Instituto Tecnológico de Goiás (ITEGO), em 23 de outubro. “Conheci a Rede durante um evento em São Paulo e foi um grande prazer intermediar o contato entre a representante da Fundação Dorina e a coordenadora do meu grupo de teatro, a Joana d’Arc, para um encontro tãoproveitoso em discussões sobre o acesso do público com deficiência às programações culturais.”, declara Fátima.
Isso mesmo, Joana d’Arc, igual a heroína francesa que foi queimada na fogueira. “Minha mãe não conseguia engravidar e, por influência da minha avó, que era devota de Joana d’Arc, ela prometeu que se tivesse uma menina daria esse nome à criança. Nem preciso de um nome artístico.”, brinca Joana, que cresceu no interior de Goiás e tem a avó como principal referência na arte de contar histórias. A paixão por boas narrativas e, mais do que isso, pelo conto oralizado, a levou ao curso de letras, à contação de histórias e ao teatro.
A coordenadora lembra como encarou a chegada de Fátima ao Vai Idade. “Queria que ela se sentisse integrada ao grupo e ele a ela. Hoje, as pessoas nem percebem que ela é cega nas apresentações.”, afirma.
Do livro ao leitor
Quem também esteve presente ao encontro, que incluiu um bate-papo sobre audiodescrição e leitura acessível, foi a jornalista e escritora Larissa Mundin, criadora da editora independente Nega Lilu. Durante a tarde, a autora contribuiu com a segunda parte do evento na Biblioteca Braille José Álvares de Azevedo.
Larissa relata que a editora Nega Lilu surgiu em 2013, inicialmente para que a jornalista pudesse autopublicar seu primeiro romance, com a coautoria de Valentina Prado. “Ser escritor no Brasil não é fácil, ainda mais agora, com a crise livreira, mas para uma mulher que reside em um Estado como Goiás é ainda mais difícil.”, diz a autora.
O que começou como um meio de autopromoção, porém, se tornou um negócio e hoje a editora não só publica livros de outros autores como possui um sistema próprio de produção e distribuição de seus títulos. O tema Leitura Acessível entrou na vida de Larissa quando a editora fez contato com a Biblioteca Braille e tomou conhecimento dessa demanda. Parte do acervo da Nega Lilu já pode ser encontrado em formato digital ou de audiolivro, incluindo o romance de estreia da autora.
A jornalista não esconde o seu contentamento com o encontro na Biblioteca Braille. “Ano passado, reunimos representantes de apenas quatro editoras de Goiás. Este ano, trouxemos 20. Ainda temos um longo caminho pela frente, mas creio estarmos plantando sementes importantes.”, conclui Larissa.